sexta-feira, 23 de julho de 2010

ONTEM FOI DIA DE POESIA



Ontem, eu acordei com inspiração poética, e escrevi oito poemas do meu livro Vórtice de Ilusões. Pois, devido a isto, não escrevi nenhuma crônica. A minha veia poética, quando é ativada, não deixa espaço para outro tipo de literatura. A poesia toma conta do meu eu-poético. Absorve-me inteiramente. E, com isto, a crônica ficou de lado.

Eu gostaria que a minha inspiração de cronista fosse igual à minha inspiração de poeta. Mas, infelizmente, não é assim. É, sempre, com muito suor, com muito esforço e muita dedicação que o meu singelo cronista consegue se manifestar.

Mas ontem foi dia de poesia. Dia de soltar as asas da poesia e se aventurar mundo afora. Foi, sem dúvida, muito gratificante para o meu poeta este processo acelerado de se fazer poemas. E o prenúncio de um novo livro poético me deixou bastante entusiasmado, pois não é todo o dia que se faz tanta poesia. Principalmente, quando os poemas são, relativamente, grandes. Tomara que este ritmo de escrever poesia se apresente, também, no ritmo de escrever prosa. O que é improvável!

Eu, na verdade, sou um pseudocronista, que resolveu escrever um livro de crônicas, para, com isto, não ser apenas um poeta. É este desejo de ser, além de poeta, um escritor. Também, estou preparando um livro sobre Espiritismo. Mas o corpo da minha literatura é poético: não tem jeito esta mania de escrever poemas. O jeito é (entre uma crônica e outra) se deliciar escrevendo poesia. Pois é o poeta que, literalmente, dá espaço ao cronista gatinhar no mundo da prosa. E, com a ajuda do meu anjo de guarda, é possível que eu conclua um livro de crônicas.

O encantamento que eu tenho, ao fazer poesia, não é o mesmo do meu cronista. Não tenho a mesma alegria poética ao fazer crônica. Na verdade, como já ficou claro, escrevo crônicas por obrigação. Por vontade de ser, também, um escritor. Pois quem escreve poesia não é escritor; é apenas um poeta. E eu não quero ser apenas um poeta. Então, irremediavelmente, eu tenho que escrever prosa! Ainda que eu leve dois meses para desmembrar um livro de Crônicas, escreverei sem cessar! Mesmo que o sem cessar seja demasiadamente lento.

Escrevo minhas humildes crônicas cosendo cada parágrafo vagarosamente, tendo a paciência como principal personagem na construção da obra de arte. Não tenho a menor inibição de relatar, ao grande público, esta verdade literária. Acho que o leitor tem o direito de saber da dificuldade, ou não, que eu encontro ao escrever textos. Pois que fique claro que o escritor é igual a qualquer pessoa, que, na hora de escrever, sente as suas dificuldades, o seu desaponto com a linguagem escrita.

Ontem foi dia de poesia, e a crônica ficou literalmente esquecida. Mas do esquecimento, ela voltou decidida a ser uma envergadura a mais na vida do poeta. Mas ainda é muito cedo para afirmar que o cronista nasceu. Pois o processo de criação ainda está só no começo: um longo e fatigante trajeto ainda está por vir. Muito trabalho e pouca inspiração significam momentos turbulentos na atividade criativa do cronista. Gostaria de saber se Cecília Meireles construía suas crônicas com o mesmo sacrifício que o meu?

O que me dificulta escrever crônicas não é a falta de discurso narrativo, nem o talento ordinário de escritor; mas a falta de assunto é, desastrosamente, a minha ingente fraqueza literária. Eu não tenho culpa se eu, fatalmente, me esqueci de viver, se eu morro a cada dia um pouco mais junto as minhas desilusões. Eu já vivi meio século de decepções, e não tenho mais a memória dos meus vinte anos. Tenho que me contentar em pensar para escrever ao invés de escrever pensando. É um trocadilho bobo, mas significativo, que demonstra toda a minha fragilidade de ser um escritor de verdade.

Ontem foi dia de poesia e o cronista ficou observando a rapidez criativa poética do poeta Fernando Pellisoli, que, deslumbrado, escrevia sem cessar. E é digno reconhecer que a vocação e o talento do poeta falam bem mais alto do que qualquer outro tipo de literatura. É enganoso tentar ludibriar o cronista de que um dia ele, também, será igual ao poeta. O poeta, dentro de mim, ocupa 90% do meu cérebro. 10% restam para o escritor. Definitivamente, devo me confessar poeta. O cronista apenas insiste em se mostrar, sem nenhuma graça.

Mas devo admitir que o meu cronista tenha certo fôlego e, acredito, também, que um pouco de talento para se expressar. Faltam-lhe, apenas, assuntos corriqueiros do cotidiano, que são o enxerto da boa crônica. Embora qualquer motivo humano seja material de interesse de um modesto cronista, é evidente que o movimento do cotidiano seja substancial para a construção de qualquer crônica.

Eu sei, ontem foi dia de poesia. E estou desenvolvendo esta crônica me guiando através do poeta. Pois foi a poesia que elaborou uma parte deste texto frágil. Só me resta agradecer aos espíritos da poesia pela ajuda recebida. E que fique claro: foi, mais uma vez, muito inverossímil acreditar que eu consegui escrever mais uma crônica no dia de hoje. Se assim continuar, eu, brevemente, terei um livro de crônicas pronto. É a força do meu desejo abraçando o sonho de um poeta ser, também, um escritor.


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