sexta-feira, 23 de julho de 2010

FALTA DE ASSUNTO


Estou com falta de assunto. Não tenho nenhuma motivação para redigir uma crônica. No entanto, eu quero escrever um livro de crônicas com 57 assuntos diferenciados. Já consegui escrever 10 crônicas. E só Deus sabe o quanto me foi difícil encontrar inspiração, na tentativa de ser cronista. E desmembrar este texto está sendo brutalmente inconcebível, pois a falta de assunto parece ser irreversível neste momento. Mas a necessidade que eu tenho de escrever um livro de crônicas é maior que o meu desânimo literário.

Eu sei que sou apenas um poeta. E que já é muito ser apenas um poeta. Mas a minha vaidade literária me diz que eu deva ir mais longe: escrever crônicas, contos, livros espiritistas, peças teatrais, etc. Nada impede que um poeta seja, também, um escritor. Mas já estou percebendo que ser escritor é mais difícil do que me parece. É preciso ter muito fôlego, muita dedicação diária, para que o volume de textos apareça.

A falta de assunto, de maneira alguma vai me impor limites na arte de escrever. O meu domínio literário não admite a obscuridade narrativa, o nevoeiro que avassala qualquer intenção do desdobramento da prosa. Posso estar escrevendo no máximo duas crônicas por dia, isto não me importa. No final de um mês, eu terei um livro pronto. E serei, além de poeta, um cronista. Um breve cronista, pois a minha verdadeira produção literária é a poética.

Realmente, a falta de assunto deste texto o torna estupidamente lento - semelhante à construção de um prédio residencial. A insistência me faz continuar escrevendo paulatinamente. O jeito é empurrar o texto convencido de que alguma coisa está acontecendo. Que o prédio literário está sendo edificado. Que a narrativa lerda está encontrando o caminho da possibilidade. Que a vida da crônica está nascendo imperativamente. Mas eu não vou negar que estou escrevendo com muita dificuldade, com vontade de desandar o texto no visor do computador. Pois a falta de assunto é profundamente desestimulante.

Estou vendo a minha novela das oito e continuo escrevendo esta crônica absolutamente desinteressante. Mas estou resolvido a escrevê-la até o fim. Até a hora derradeira. Por mais que doa em mim esta falta de assunto assustador. Tão assustador que parece que eu não tenho afinidade com a escrita. O desprazer que estou sentindo me faz lamentar o dia de hoje. Faz-me acreditar que o impossível pode acontecer e, por isso, insisto em continuar escrevendo esta lamentável e horrenda crônica. Mas já estou com vontade de colocar o ponto final neste desastre narrativo.

Impressionante como o tempo passa depressa. Já está na hora de fazer a minha barba, e o meu anjo de guarda já está cansado. Não há como duvidar que esteja chegando ao final desta impiedosa crônica, que tanto me faz sofrer. Não vejo nela nada de interessante, a não ser o fato de contribuir no preenchimento do meu livro de crônicas. Mas, indubitavelmente, sei que o amigo leitor não terá a mínima vontade de ler este desastroso, insignificante e, fatalmente, aborrecido texto literário. Eu é que sou teimoso e continuei escrevendo mesmo sem ter tido assunto algum.

Não vou continuar alugando a cabecinha de vocês com esta prosa absurda. Dou-me por vencido: acabo aqui a minha falta de assunto ciente de que não faltou esforço para escrevê-la, ciente de que não vale à pena insistir num texto inexistente. Mas o exercício da narrativa é sempre estimulante ao escritor principiante, que não descansa enquanto o texto não germinar a semente da literatura. E é engraçado como a falta de assunto se desdobra, gatinhando, rumo ao reconhecimento literário. E apesar deste texto ser uma porcaria, ele se impõe categoricamente na imensidão do azul celestial. Portanto, não há nada a fazer a não ser deixá-lo adentrar-se na obscuridade literal dos signos, com os seus significados e os seus significantes.

Tenho absoluta certeza que se enviasse esta crônica a um concurso de crônicas, estaria fadada a inescrupulosa façanha de ser rejeitado sumariamente. Sobretudo se os jurados tivessem uma crônica da Cecília Meireles para uma impossível analogia. Seria ilógico comparar esta crônica com qualquer crônica da Cecília Meireles. Um verdadeiro vexame eu diria! Mas não posso desistir e nem me submeter a comparações com autores consagrados. Eu tenho o meu próprio estilo, e mesmo sem assunto para escrever, eu não deixo de escrever e de criar o texto. Gostaria de ter muitos assuntos para escolher, mas me contento, no momento, com a falta de assunto que me fez realizar a árdua tarefa de construir o texto paulatinamente.

Na falta de assunto, enfim, eu inventei um texto que fala da necessidade de escrever do escritor, mesmo quando não há nenhum assunto em pauta. Este, sem dúvida, é um grande desafio da narrativa criativa, pois exercita, sobremaneira, a criação artística do escritor. Não devemos nos abater na falta de assunto, pois a falta de assunto é, na verdade, também, um assunto para ser discernido com carinho e amor fraterno. Ademais, qualquer motivo é sempre bem vindo e aproveitado pelo escritor.







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