sexta-feira, 23 de julho de 2010

A MULHER LOUCA


Estava voltando de uma temporada de uma década no Rio de Janeiro. Retornando para a cidade que me viu crescer. Embora não fosse a minha cidade natal, era, sem dúvida, a minha terra adotiva. Pois, embora eu tenha nascido em Porto Alegre, cresci em Santa Maria. Mas, na verdade, eu não estou escrevendo esta crônica no intuito de falar de cidades (com seus monumentos e seus arranha-céus). Não estou disposto, neste momento, a conjugar o meu verbo com as paisagens bucólicas, com as praças sujas e amontoadas de gente pobre. Tudo isto, é verdade, me fascina, mas, em outra ocasião, estarei disponível, e inspirado, para narrar, com exímia perfeição, os primores de cada cidade por onde passei.

Esta crônica é dedicada a uma mulher chamada Berenice dos Santos. Professora do Estado era de família rica. Vivia de aluguel, num apartamento elegante e localizado no prédio mais conceituado de Santa Maria. Era uma mulher madura, porém solitária. Foi, justamente, numa exposição de pintura realizada por mim, que nós nos conhecemos. E, não tenho dúvidas, foi à pior experiência que eu tive com o sexo oposto. É possível se pensar de tudo a seu respeito, mas, ainda assim, não dá para compreender a dimensão da sua dificuldade emocional. Foram quase dois anos de convívio, onde o tempo não passou. A nossa história não foi registrada na imensidão das estrelas. Nem mesmo aconteceu. E quando eu penso no que não aconteceu, fica extremamente difícil de acreditar no que, caprichosamente, não aconteceu. Tamanha era a obstinação desta criatura em desdenhar o seu prazer, que não havia homem algum para agüentar tanta tortura.

Os nossos primeiros encontros íntimos foram, sobremaneira, os nossos melhores momentos afetivos. Lembro-me que no primeiro encontro quase chegamos a nos despir. Estávamos numa sala aconchegante, e as carícias foram intensas. Mas quando eu pensei que o nosso primeiro ato sexual iria acontecer ali mesmo na sala, sem pudor algum, num momento de ingente volúpia, Berenice recua e se abstêm. Causou-me uma surpresa inviolável, imemorável. Difícil de acreditar que o sonho de ser feliz estava sendo desfeito. Era uma mulher linda, fogosa, e solteira. Onde estava o problema? Eu era divorciado! Então, não havia impedimento para abraçar a felicidade que nos sorria. Mas o nosso relacionamento estava fadado a não existir. E o tempo foi passando. E as carícias diminuindo. E quando eu dei por mim, já era muito tarde: estávamos tendo uma relação fraternal de dois irmãos.

Tínhamos uma coisa em comum: éramos espiritistas. E passamos a freqüentar as sessões espíritas regularmente. Nos fins de semana, nós íamos à fazenda dos seus pais. Havia muita fartura, e eu era recebido de forma carinhosa pela família de Berenice. Mas eu continuava sem entender a cabeça daquela mulher tão formosa, tão insinuante, tão mulher na estampa; mas, no íntimo, uma criança assustada. Perguntava-me qual seria o motivo desta loucura de viver sem as emoções do amor, do sexo? Só ela poderia acalmar a minha aflição. Contar-me o que estava acontecendo consigo. Eu estava pronto para ajudar no que fosse preciso. Descobri, a princípio, que Berenice era preconceituosa. Eu não tinha carro. Quando saíamos, ela dirigia o seu carro. Uma amiga comentou que não ficava bem eu não dirigir. Ela ficou preocupada, evitando as saídas de carro. Eu comecei a perceber que aquela bela mulher era frágil e vulnerável em demasia.

Já estava esgotado da convivência incompreensível que levava ao lado de Berenice. Estava decidido a desvendar o mistério que velava a minha história vazia, onde o tempo não existia. Mais parecendo uma estória de bonecos! Eu morava num prédio próximo ao dela. Comecei a evitar estar sempre no apartamento dela. Ela sentia a minha falta, e ia me procurar. Eu me fazia de difícil. Procurava ficar mais afastado para tentar provocar o desejo proibido de Berenice. Mas não surtia nenhum efeito qualquer atitude da minha parte. Chegava a despir-me diante dela, e ela, ignorando, continuava a fazer tricô. Assim era a minha vida ao lado daquela mulher louca, desvairada: ela fazendo tricô, e eu assistindo televisão. De vez em quando, eu a agarrava a força, tentando abraçá-la, beijá-la, mas era inútil perda de tempo. Então eu ia para o meu apartamento trabalhar nas minhas aquarelas, nas minhas esculturas. Só assim eu esquecia a mulher louca, a mulher louca que me seduzia, que me enlouquecia, e que eu tanto desejava ardentemente. O que tinha tudo para ser um grande sonho de amor tornou-se um grande pesadelo - inenarrável para as pessoas de bom senso. Não íamos ao cinema, nem ao teatro, nem dançar. Também não íamos almoçar, nem jantar fora. Era sempre a mesma rotina: sessões espíritas, tricotando, vendo televisão e só. A minha arte me fazia respirar um pouco. E cada vez menos, eu ia ao apartamento da Berenice. Ela, loucamente, me obrigava a comparecer na sua residência, como se eu tivesse alguma obrigação efetiva em lhe fazer companhia.

Numa noite estrelada, ela resolveu me revelar o seu segredo. Numa sessão espiritual, disseram para ela que na vida anterior, ela teria sido uma prostituta. E que a sua expiação, na vida atual, era abster-se de sexo. Eu lhe respondi: “a gente se esquece da vida anterior é para não receber interferência daquela na atual existência”.

Como é taciturna a fascinação de uma mulher fissurada na obsessão de não exercer a profissão de ser, naturalmente, uma mulher de verdade sem o pó da loucura...





Nenhum comentário:

Postar um comentário